Busca sem resultado
jusbrasil.com.br
19 de Abril de 2024

Teoria agnóstica da pena de Eugenio Zaffaroni

O que essa teoria pode contribuir na ressocialização e prevenção de crimes perante a sociedade moderna

Publicado por Carlos Eduardo Vanin
há 9 anos

1. História

Eugenio Raúl ZAFFARONI (Buenos Aires, 7 de janeiro de 1940) é um jurista e magistrado argentino. Foi ministro da Suprema Corte Argentina de 2003 a 2014 e, desde 2015, é juiz da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Professor emérito e diretor do Departamento de Direito Penal e Criminologia na Universidade de Buenos Aires, é também doutor honoris causa pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, pela Universidade Federal do Ceará, pela Universidade Católica de Brasília e pelo Centro Universitário FIEO.

É vice-presidente da Associação Internacional de Direito Penal. Suas teorias são amplamente difundidas no Brasil, tendo publicado livros em português, como coautor, com José Henrique Pierangeli e com Nilo Batista. No total Zaffaroni detém mais de 25 (vinte e cinco) obras publicadas.

2. Teoria Agnóstica da pena

A concepção de que a pena teria funções de (I) retribuição e (II) prevenção – geral e especial – seria uma falácia, servindo em verdade para objetivos ocultos. É uma teoria agnóstica das funções reais da pena.

O conceito de pena não é um conceito jurídico, mas sim um conceito político, tal qual o é o da guerra. Afastando essa “legitimidade jurídica” e aproximando a pena da ideia de ato de poder político, os seus defensores intentam conter o poder punitivo com a potencialização de um Estado Democrático, já que haveria margem de, politicamente, desenvolver políticas (pleonasmo intencional) públicas calcadas no humanismo.

A pena é um ato político e o direito, como limite da política, é o parâmetro negativo da sancionabilidade, estruturando-a sob a negação das teorias da pena e fundando-a em critérios de limitação da sanção.

A pena deve ser instrumento de negação da vingança, lida como limitação ao poder punitivo. Não há negativa do Estado Policial e tampouco no Estado de Direito. Ambos coexistem e são necessários (não se trata de uma teoria abolicionista). Pela Teoria Agnóstica da Pena, há a ideia de restringir o primeiro e maximizar o segundo.

Essa teoria tem como fundamento modelos ideais de estado de polícia e de estado de direito. Para a teoria agnóstica da pena existe uma grande dificuldade em acreditar que a pena possa cumprir, na grande maioria dos casos, as funções manifestas atribuídas a ela, expressas no discurso oficial.

Para os seguidores dessa linha, a pena está apenas cumprindo o papel degenerador da neutralização, já que empiricamente comprovada a impossibilidade de ressocialização do apenado. Não quer dizer que essa finalidade de ressocializar, reintegrar o condenado ao convívio social deva ser abandonada, mas deve ser revista e estruturada de uma maneira diferente. Para tanto, adverte-se que a reintegração social daquele que delinquiu não deve ser perseguida através da pena e sim apesar dela, vez que para efeitos de ressocialização o melhor criminoso é o que não existe.

Das críticas efetuadas aos embasamentos doutrinários das teorias justificadoras da pena, quer sejam absolutas ou retributivas, quer sejam relativas gerais ou especiais, negativas ou positivas, gerou-se o fortalecimento de uma construção teórica acerca de um modelo garantista quanto à concepção da pena, haja vista que, consoante o quanto exteriorizado nos tópicos acima, os questionamentos e censuras às funções manifestamente oficiais da pena desconstrói o arcabouço teórico de formulação da sanção penal como vingança, reafirmação da lei penal, correção moral, ou ainda como intimidação social.

Denunciando a seletividade e ferocidade existente no sistema penal, Batista, Zaffaroni, Alagia e Slokar (2003) visualizam a dispensabilidade das teorias da pena, objetivando possibilitar a reconstrução do direito penal com a finalidade de reduzir a violência do exercício do poder.

Afirma Carvalho, interpretando os ensinamentos do mestre argentino Zafarroni, que reduzir dor e sofrimento seria o único motivo de justificação da pena nas atuais condições em que é exercida, principalmente nos países periféricos.

A teoria agnóstica da pena possui como base fundante da sua construção doutrinária a pacífica coexistência entre os modelos ideais de estado de polícia e estado de direito (Santos, 2008, p. 472).

3. Estado de polícia

O estado de polícia se fundamenta através do exercício do poder de forma vertical e autoritário (Santos, 2008, p. 473), solucionando os litígios existentes na sua base de incidência através da aplicação dos pressupostos declaradamente justificadores do discurso da penalogia clássica (teorias absolutas e relativas) pelos detentores da classe social hegemônica no poder.

4. Estado de direito

O estado de direito, ao seu turno, se baseia no exercício horizontal e democrático de poder, ocasionando a resolução dos conflitos mediante as regras do jogo já dispostas, consoante doutrina de Calamandrei (1995), sendo as mesmas validadas pela exteriorização dos direitos humanos, considerando estes sempre em perfeita evolução, garantindo ao acusado a máxima limitação possível ao jus puniendi (estado de polícia).

Nesse sentido, a Teoria Agnóstica da Pena tende a negar legitimidade às doutrinas oficiais e declaradas que buscam motivos justificantes para a imposição da pena, sem, contudo, negar o próprio direito de punir.

Aliás, sob tal ponto se faz mister a transcrição dos ensinamentos de Barreto (1996, p. 649/650) sobre os fundamentos do direito de punir, em obra de igual nome:

O conceito de pena não é um conceito jurídico, mas um conceito político. Este ponto é capital. O defeito das teorias correntes em tal matéria consiste justamente no erro de considerar a pena como uma conseqüência do direito, logicamente fundada [...] Que a pena, considerada em si mesma, nada tem que ver com a idéia do direito, prova-o de sobra o fato de que ela tem sido muitas vezes aplicada e executada em nome da religião, isto é, em nome do que há de mais alheio à vida jurídica.

Diante disto, a pena readquire a sua verdadeira característica de ato de poder político e não jurídico, natureza esta que Barreto (1996, p. 650) identificou em sua clássica frase:

Quem procura o fundamento jurídico da pena deve também procurar, se é que já não encontrou, o fundamento jurídico da guerra.

Ante a identificação da pena como ato do poder político, Zaffaroni, contestando, ainda que indiretamente, as doutrinas abolicionistas por entender necessário, ao menos nos países periféricos, o estado de polícia, face a sua transcendência em relação a pena criminal para vigiar e controlar a ordem social, então, potencializa a possibilidade de restrição do exercício do poder punitivo do estado de polícia pela ampliação do estado de direito.

A Teoria Agnóstica da Pena, ao reputar como ilegítimas as bases oficias que justificam juridicamente a sanção penal, tem como objetivo precípuo a realização de uma contenção máxima do poder punitivo pela maximização do estado democrático de direito, possibilitando, ao entender a pena como fonte eminentemente política, a realização de políticas criminais voltadas ao humanismo democrático, posto que, como muito bem afirmara Santos (2008, p. 474):

Afinal, definir pena como ato de poder político, atribuir à pena o mesmo fundamento jurídico da guerra e rejeitar como falsas as funções manifestas ou declaradas da pena criminal significa ruptura radical e definitiva com o discurso de lei e ordem do poder punitivo.

Abdicar das teorias da pena, portanto, corresponderia na abolição do viés que oficialmente encobre a real finalidade da pena, voltando à sua natureza eminente de ato político.

Pode-se afirmar, diante disto, que a Teoria Agnóstica da Pena se funda na máxima estabelecida por Barreto (1996), minudenciada por Zaffaroni (2003) e exteriorizada por Carvalho (2007) de que a pena é um ato político e o direito, como limite da política, é o parâmetro negativo da sancionabilidade, estruturando-a sob a negação das teorias da pena e fundando-a em critérios de limitação da sanção.

Ferrajoli (2002), em sua Teoria do Garantismo Penal, concebe à pena o fundamento de prevenção à reação informal, desmedida, automática e arbitrária que a falta das penas poderia ensejar.

Desse ponto de vista, a pena se apresenta como guardiã do direito do infrator em não ser punido senão pelo Estado, ou seja, o ideal de minimização da aflição infligida pela aplicação da pena e a refutação da violência privada como legítima confere a transmudação da ideia de pena-retaliação para a concepção de pena-garantia, passando esta a ser, inequivocamente, um direito do delinquente de ver-se punido somente pelas regras do jogo.

Impedir o mal da vingança arbitrária e desmedida operada pela vítima, ou pelas forças solidárias a ela, e o excesso punitivo (de violência) do Estado é o escopo deste novo modelo de direito.

A pena apresenta-se, por derradeiro, como instrumento político de negação da vingança, como limite ao poder punitivo, como o mal menor em relação às possibilidades vindicativas que se produziriam na sua inexistência.

5. Características da Teoria Agnóstica da Pena

Podem ser características identificadora simbolizadas através da Teoria Agnóstica a Pena, impõe uma reorientação teleológica do direito penal e do processo penal, sendo fundada:

  • Na rejeição dos discursos oficias/declarados/manifestos da pena (retributivismo ético ou jurídico e preventivismo especial ou geral, negativo ou positivo);
  • Na qualificação da pena como ato do poder político e não jurídico;
  • Na coexistência do estado de polícia e do estado de direito, pela restrição do primeiro e maximização do segundo; e
  • Na referência da sanção penal como direito do próprio ofensor em não se ver punido senão pelo Estado, justificando, portanto, uma ideia minimalista da pena.

👍⬅ Gostou? Então, recomende para outros leitores, clicando lá em cima.

📚⬅ Quer acompanhar mais artigos? Então, clique seguir no perfil do autor.

Artigos relacionados:


6. Bibliografia

BARRETO, Tobias. Fundamentos do Direito de Punir. In Revista dos Tribunais, n 727. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996.

CARVALHO, Salo de Anti-manual de Criminologia, 2 ed- Rio de Janeiro; Lumen Juris, 2008.

__, Salo de.(Coord), Crítica à Execução Penal. Rio de Janeiro; Lumen Juris, 2007.

ANADEP- Associação Nacional dos Defensores Públicos.

ZAFFARONI, Eugênio Raul; BATISTA, Nilo. Direito Penal Brasileiro I, rio de Janeiro, Revan, 2003.

__. O inimigo no Direito Penal, 2 ed, Trad. Sergio Lamarão, Rio de Janeiro, Revan, 2007.

7. Referências

www.stf.jus.br/portal/informativo

https://blog.ebeji.com.br/teoria-agnostica-da-pena/

http://ambito-jurídico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=14623&revista_caderno=3

http://www.viajus.com.br/viajus.php?página=artigos&id=1807&idAreaSel=4&seeArt=yes

https://www.academia.edu/4373985/Teoria_Agn%C3%B3stica_e_a_Crise_das_Fun%C3%A7%C3%B5es_da_Pena_na_Era_do_Punitivismo

8. Publicações de Carlos Eduardo Vanin

Para acessar o acervo de artigos publicados pelo autor, ACESSE:

Click aqui ou acesse o link: https://duduhvanin.jusbrasil.com.br/publicacoes

Artigo elaborado por Carlos Eduardo Vanin. A qualquer erro manifeste-se e ajude-me a crescer juntamente com os demais estudiosos!

Ademais, os direitos da publicação podem ser utilizado, desde que, mencionada autoria, conforme inciso III do Artigo 46 da Lei 9.610/98.

Att. Carlos Eduardo Vanin

  • Sobre o autorEu acredito no Brasil! 🇧🇷
  • Publicações71
  • Seguidores2381
Detalhes da publicação
  • Tipo do documentoNotícia
  • Visualizações34791
De onde vêm as informações do Jusbrasil?
Este conteúdo foi produzido e/ou disponibilizado por pessoas da Comunidade, que são responsáveis pelas respectivas opiniões. O Jusbrasil realiza a moderação do conteúdo de nossa Comunidade. Mesmo assim, caso entenda que o conteúdo deste artigo viole as Regras de Publicação, clique na opção "reportar" que o nosso time irá avaliar o relato e tomar as medidas cabíveis, se necessário. Conheça nossos Termos de uso e Regras de Publicação.
Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/teoria-agnostica-da-pena-de-eugenio-zaffaroni/183273877

Informações relacionadas

Izidório Cardoso, Advogado
Artigoshá 8 anos

Um olhar crítico sobre a Teoria Agnóstica da Pena - Zaffaroni

Artigoshá 9 anos

Das penas e das teorias da pena

João Martins
Artigoshá 9 anos

Das teorias da pena no Ordenamento Jurídico brasileiro

Daniel Cassiano, Estudante de Direito
Artigoshá 7 anos

Teoria da pena: resumo

Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes
Notíciashá 16 anos

O que se entende por Direito Penal Subterrâneo? - Luciano Schiappacassa

0 Comentários

Faça um comentário construtivo para esse documento.

Não use muitas letras maiúsculas, isso denota "GRITAR" ;)